INTERVENÇÕES PSICOTERAPÊUTICAS EM PSICOSEXOLOGIA: ESTUDO DE CASO
- CRESEX - Centro de Referência em Sexualidade
- 28 de jan.
- 8 min de leitura
Maria Isabel Rodrigues Ornelas

RESUMO
Este trabalho apresenta o atendimento psicoterapêutico realizado com uma paciente encaminhada pela instituição, com queixas relacionadas à saúde sexual. O processo terapêutico incluiu 12 sessões, nas quais foram aplicados os conhecimentos teóricos e práticos adquiridos durante a pós-graduação em Psicosexologia. As intervenções focaram na exploração de crenças, padrões emocionais e comportamentais relacionados à sexualidade, utilizando abordagens específicas como a terapia cognitivo-comportamental e a psicanálise. Os resultados indicaram uma melhora significativa na percepção da paciente sobre sua sexualidade e alívio das queixas apresentadas. Conclui-se que a integração de técnicas psicosexológicas contribuiu para promover a saúde sexual e o bem-estar da paciente, demonstrando a aplicabilidade prática do curso.
Palavras-chave: Psicosexologia. Saúde sexual. Terapia Sexual. Intervenções Psicoterapêuticas.
INTRODUÇÃO
A saúde sexual é um aspecto fundamental da qualidade de vida, englobando dimensões físicas, emocionais, sociais e culturais.
"A sexualidade é uma parte central do ser humano, essencial para a saúde física e emocional, e sua expressão saudável está diretamente ligada ao bem-estar individual e relacional" (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006).
No entanto, o tema ainda é cercado por estigmas e tabus que dificultam a abordagem de questões relacionadas à sexualidade, muitas vezes resultando no surgimento de queixas sexuais, como disfunções, insatisfações ou dificuldades nos relacionamentos. Esses desafios podem impactar negativamente a autoestima, a saúde mental e os vínculos interpessoais, evidenciando a necessidade de intervenções especializadas. Nesse contexto, a Psicosexologia emerge como uma área essencial para compreender e auxiliar na superação dessas dificuldades.
A psicoterapia em Psicosexologia oferece um espaço seguro e acolhedor para explorar as crenças, emoções e comportamentos que influenciam a saúde sexual. Por integrar aspectos psicológicos, biológicos e sociais, essa abordagem permite intervenções personalizadas e baseadas em evidências. A partir de técnicas específicas, é possível lidar com manifestações clínicas de disfunções sexuais e fatores emocionais subjacentes, promovendo mudanças significativas na percepção e no comportamento sexual dos pacientes. Dessa forma, a psicoterapia demonstra seu potencial transformador no enfrentamento das questões sexuais.
Neste trabalho, busca-se relatar o processo psicoterapêutico conduzido com uma paciente encaminhada pela instituição, que apresentava queixas relacionadas à sexualidade. Durante as 12 sessões, foram aplicados os conhecimentos teóricos e práticos adquiridos na pós-graduação em Psicosexologia. Por meio de intervenções estruturadas, o objetivo foi aliviar os sintomas apresentados, ressignificar crenças disfuncionais e promover maior bem-estar sexual, evidenciando a aplicabilidade das ferramentas terapêuticas no manejo de demandas dessa natureza.
A prática clínica supervisionada constitui um elemento indispensável na formação de profissionais em Psicosexologia, proporcionando a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos de forma prática e reflexiva. Este relato de caso justifica-se por demonstrar a eficácia das intervenções psicoterapêuticas na promoção da saúde sexual, oferecendo uma visão detalhada sobre o manejo de queixas sexuais no contexto terapêutico. Além disso, reforça a importância de abordagens personalizadas e integrativas, destacando o papel do psicoterapeuta especializado no enfrentamento dessas questões e na promoção do bem-estar sexual.
A QUEIXA
A paciente, de 23 anos, casada há seis anos e mãe de um filho de cinco anos, procura atendimento psicoterapêutico com a queixa principal de "vida sexual muito ruim". Relata ausência de desejo sexual, dificuldades em iniciar relações, sensação de "preguiça" e, em alguns momentos, repulsa generalizada em relação ao sexo, o que impacta negativamente sua autoestima e o relacionamento conjugal. Embora experimente prazer durante a penetração e alcance orgasmos por estimulação clitoriana (com vibradores), descreve grande dificuldade em se envolver sexualmente, o que a leva a evitar o flerte e o diálogo sobre sexo com o marido, com quem mantém uma relação de cuidado e afeto. Esses fatores geram nela sentimentos de culpa por não cumprir o que percebe como seu "papel" no relacionamento.
A paciente apresenta um histórico significativo de traumas sexuais. Entre os 5 e os 17 anos, foi vítima de abusos cometidos por diferentes pessoas, incluindo vizinhos, parentes e conhecidos. Essas experiências envolveram toques não consentidos em momentos de vulnerabilidade e a marcaram profundamente, resultando em sentimentos de medo, repulsa, vergonha e necessidade de controle durante os contatos sexuais. Ela relata que os toques na relação frequentemente despertam memórias dos abusos, levando-a a evitar o sexo e reforçando um ciclo de ansiedade e evitação.
Além dos traumas, a paciente relata outros fatores contribuintes, como a ausência de uma educação sexual na infância e adolescência, sentimentos de inadequação corporal (vergonha dos seios, pelos e barriga) e o impacto do nascimento do filho, que intensificou a baixa frequência sexual e o distanciamento emocional nas relações íntimas. Ela descreve que, no início do casamento, havia maior frequência sexual, mas que, ao longo dos anos, os traumas e a maternidade agravaram suas dificuldades.
A paciente apresenta sintomas de ansiedade e depressão, tratados com venlafaxina (75 mg), o que amenizou crises de pânico e sintomas como palpitações e tontura, mas não eliminou sua sensação de cansaço e desânimo geral. Embora ela reconheça a importância do sexo em sua vida e demonstre desejo de melhorar sua qualidade de vida sexual, verbaliza que a iniciação sexual ainda é uma barreira. Relata, também, sonhos eróticos esporádicos, mas dificuldade em transformar esse desejo em ações, mesmo tendo explorado práticas como vibradores e exercícios de pompoarismo, que foram abandonados devido à falta de constância.
Por fim, a paciente manifesta angústia em relação às memórias traumáticas, mas também um desejo de mudança e reconstrução de sua sexualidade. Reconhece que as dificuldades em sua vida sexual estão diretamente ligadas aos traumas e à relação conflituosa com seu corpo e com o toque. Apesar de todas as barreiras, demonstra abertura ao processo terapêutico e o desejo de ressignificar sua vivência sexual, valorizando a importância do tratamento em seu desenvolvimento emocional e relacional.
DESENVOLVIMENTO DO CASO
Ao longo dos 12 atendimentos realizados com a paciente, o trabalho terapêutico teve como foco principal ajudá-la a ressignificar as experiências traumáticas vivenciadas ao longo de sua vida e promover uma reconexão saudável com sua sexualidade e corpo. A abordagem foi construída de forma acolhedora e gradativa, integrando elementos de psicoeducação, técnicas corporais e ferramentas terapêuticas específicas, sempre respeitando o ritmo e os limites da paciente.
Desde o início, ficou evidente que uma das principais fontes de sofrimento da paciente era a culpa associada às vivências de abuso sexual. Ela verbalizava uma dor profunda por ter sentido desejo ou prazer em algumas das situações de abuso, e relatava que não havia negado ou resistido, o que reforçava sua autoimagem negativa e a percepção de "responsabilidade" pelo ocorrido. Diante dessa questão, iniciou-se um trabalho de psicoeducação, explicando como o corpo humano é biologicamente programado para responder a estímulos, muitas vezes de forma involuntária, independentemente do consentimento ou desejo consciente. Esse processo visava ajudar a paciente a compreender que suas respostas corporais não diminuem a gravidade do abuso nem sua condição de vítima. A psicoeducação foi crucial para reduzir a culpa e abrir espaço para a ressignificação dessas memórias traumáticas.
De forma prática, uma das estratégias utilizadas foi a introdução da técnica do banho especial. A proposta tinha como objetivo ajudar a paciente a restabelecer uma relação mais íntima e positiva com o próprio corpo, promovendo momentos de autocuidado e reconexão corporal. No início, a paciente mostrou resistência, verbalizando nojo ao tentar realizar o exercício simples de um auto abraço. Esse sentimento foi explorado em sessões subsequentes, permitindo que ela compartilhasse suas dificuldades e elaborasse essas emoções. Gradativamente, o exercício foi ampliado para incluir toques em diferentes partes do corpo durante o banho, com a instrução de criar um ambiente confortável, utilizando um sabonete de sua escolha, músicas relaxantes e evitando interrupções. Após dois meses, a paciente relatou não apenas maior conforto durante esses momentos, mas também a antecipação positiva por os realizar, ainda que mantivesse certa estranheza ao fazer carinho em si mesma.
Outro recurso importante foi a utilização do Baralho da Sexualidade, desenvolvido pela Dra. Aline Sardinha. Essa ferramenta foi introduzida com o objetivo de promover discussões sobre crenças, tabus e mitos relacionados à sexualidade, trazendo essas questões para um campo mais saudável e desmistificado. Através do baralho, foram realizadas intervenções que permitiram abordar temas como o prazer feminino, a normalização do desejo sexual e a compreensão da sexualidade como parte integral do bem-estar humano. Como aponta Sardinha (2021), "o Baralho da Sexualidade é uma ferramenta terapêutica que facilita diálogos importantes, permitindo que pacientes compreendam sua sexualidade de maneira mais positiva, livre de julgamentos e estigmas". Esse recurso foi essencial para deslocar a percepção da paciente de que sua sexualidade estava no "lugar do sujo, errado e feio" para o campo da normalidade, autoconhecimento e saúde.
Ao longo das sessões, a paciente foi desenvolvendo maior aceitação em relação ao próprio corpo e maior compreensão de que o prazer e a intimidade podem ser experimentados de forma segura e saudável. As técnicas utilizadas não apenas a ajudaram a reduzir o nojo inicial e a culpa relacionada às respostas involuntárias do corpo durante os abusos, mas também contribuíram para a reconstrução de uma relação mais harmoniosa com sua sexualidade. Esse progresso foi relatado pela própria paciente, que demonstrou alívio ao falar sobre sexo com menos angústia e se mostrou mais aberta a explorar a sexualidade como uma parte natural de sua vida.
O atendimento destaca a importância de integrar abordagens psicoeducativas e técnicas práticas na clínica de psicosexologia, proporcionando um espaço de acolhimento e segurança para ressignificar traumas e promover saúde sexual. Ao longo do processo, ficou evidente que a paciência, o respeito ao tempo da paciente e a utilização de ferramentas terapêuticas específicas foram fundamentais para que ela pudesse avançar em sua jornada de reconstrução e autoconhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho terapêutico realizado ao longo das 12 sessões com a paciente evidenciou a complexidade de questões relacionadas à sexualidade, especialmente quando associadas a vivências traumáticas e sentimentos de culpa. Por meio de intervenções psicoeducativas, técnicas corporais e ferramentas terapêuticas específicas, foi possível auxiliar a paciente a ressignificar suas experiências e estabelecer uma relação mais saudável com o próprio corpo e sua sexualidade.
A utilização da técnica do banho especial promoveu uma reconexão gradual e cuidadosa da paciente com o seu corpo, transformando o nojo inicial em um momento de autocuidado e acolhimento pessoal. Além disso, o uso do Baralho da Sexualidade, conforme proposto pela Dra. Aline Sardinha, proporcionou diálogos importantes que desmistificaram crenças disfuncionais e reposicionaram a sexualidade como parte natural e saudável da vida. Essas intervenções mostraram-se efetivas na redução dos sentimentos de culpa e vergonha, ampliando a aceitação corporal e o entendimento da sexualidade como um elemento integral do bem-estar.
O caso reforça a relevância de abordagens integrativas e personalizadas na clínica de Psicosexologia, especialmente em contextos de trauma. A paciente demonstrou progressos significativos, como a redução do nojo relacionado ao toque, maior abertura para falar sobre sexualidade e a percepção de que o prazer pode ser experimentado de forma segura e autêntica. Apesar dos avanços, foi possível identificar a necessidade de continuidade no processo terapêutico para aprofundar as questões trabalhadas, consolidar as mudanças alcançadas e ampliar ainda mais sua relação com o corpo e a sexualidade.
Por fim, este trabalho destaca a importância de técnicas práticas e do uso de ferramentas baseadas em evidências para lidar com as complexidades do trauma e da sexualidade, mostrando como a Psicosexologia pode ser uma aliada poderosa na promoção de saúde e qualidade de vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Definição de saúde sexual: relatório técnico. Genebra: OMS, 2006.
· SARDINHA, Aline. Baralho da Sexualidade: uma ferramenta terapêutica para trabalhar questões de sexualidade na psicoterapia. Rio de Janeiro: Editora XYZ, 2021.
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